Pesquisa realizada em 1957 descreve Manguinhos como uma pequena vila de pescadores localizada a aproximadamente 30 km de Vitória, acessível apenas por estrada de chão. Os mesmos relatos indicam que o vilarejo tinha como única atividade econômica naquela época a pesca marítima e artesanal, evidenciando suas origens como um pequeno núcleo de pescadores passando, posteriormente, a constituir a Vila de Manguinhos.
Relatos antigos também dão conta
que August Saint-Hilaire, naturalista francês, em sua passagem pelo Espírito
Santo no ano de 1818 relata a existência da praia da Ponta dos Fachos, hoje uma
das mais conhecidas praias de Manguinhos.
Desde os primórdios de sua ocupação humana Manguinhos sempre foi um local bastante isolado dos demais núcleos habitados na época, inclusive da capital do Estado, Vitória. Prova disso é que durante as primeiras décadas do Século XX, quando a pesca ocorria em abundância o pescado normalmente era levado até vitória por meio de canoas, uma vez que o transporte terrestre só seria possível com o emprego de animais de carga, evitado pelos pescadores locais.
Com a abertura das estradas de
rodagem essa prática deixou de ser necessária e o pescado passou a ser
transportado por pequenos caminhões, como se verifica em 1957. De qualquer
maneira esse meio de transporte ainda não facilitava o transporte do pescado
uma vez que os transportadores eram contratados pelos próprios pescadores e
chegavam a Manguinhos pela estradinha de terra, braço da rodovia de terra
batida que leva ao norte do Estado margeando o litoral. Fica fácil perceber as causas
do isolamento da vila de Manguinhos, uma vez que para ir à capital os moradores
tinham que caminhar até a rodovia principal para pegar uma condução.
Com cerca de seiscentos
habitantes (1957), em sua maioria parentes e/ou compadres a vila de Manguinhos
possuía cerca de cento e vinte mora dias.
Em sua grande maioria são casas de embarreio
tradicionais algumas com reboco e outras sem, algumas delas recebiam a cal como
pintura. As casas eram, geralmente, pequenas, com cobertura de telhas ou de
palha e piso de terra batida ou madeira; normalmente possuía poucos e apertados
cômodos cujas paredes internas não alcançavam o teto das moradias. Os cômodos
sanitários normalmente consistiam em apenas uma fossa, geralmente localizada do
lado externo das residências. Essas casas aglomeram-se desde a beira da praia
até o alto de pequena colina que dá acesso ao lugar, a essa aglomeração os
nativos dão o nome de Vila.
O balneário possuía uma escola primária, um campo de futebol, algumas vendas que sobrevivem do incipiente comércio local de secos e molhados e ainda uma igrejinha no alto da colina. Entretanto essa igrejinha não possui um pároco permanente, recebendo sacerdotes somente em ocasiões especiais como
na festa de Nossa Senhora do Santana a
padroeira de Manguinhos. Para o lazer as festas religiosas, principalmente a de
Reis, é que davam o tom das festividades do lugar.
Já naquela época Manguinhos contava com uma banda de congo constituída por moradores locais. Naquele tempo quando acontecia alguma fatalidade e o falecimento de algum membro da comunidade toda a vila ficava de luto e até mesmo as pescarias deixavam de acontecer. Na casa da família do falecido ou mesmo na igreja local as mulheres cantam as excelências durante o velório.
Pouco tempo depois a vila de Manguinhos começou a se tornar uma opção de veraneio para famílias de Vitória em busca de um clima de tranqüilidade e valorização da natureza sempre presente no estilo de vida do local. Naquela época já se percebia claramente o crescimento do número de residências de veraneio em Manguinhos e também o loteamento de áreas próximas ao mar sempre convidativo ao mergulho ou à contemplação.
Ainda não havia, em 1957, rede de
energia elétrica. Sua instalação nos anos seguintes incentivou ainda mais a
ocupação da vila. Com relação à água também não havia abastecimento, para
obtenção da água eram utilizados poços artesianos ou até mesmo do Rio
Manguinhos, com sua água mais escura, porém de boa qualidade.
A pesca de arrastão
A pesca de arrasto é uma das
formas mais tradicionais de pesca artesanal e acontece da seguinte maneira: ao
avistar um cardume os pescadores, de posse de uma grande rede, circulam o
cardume lançando a rede de uma canoa ao mar, após o chamado “cerco” a canoa
volta à praia e os pescadores puxam a rede para a praia trabalhando em equipe
para conseguir obter sucesso na pescaria.
O trabalho acontece de forma contínua parando somente quando a rede já está de volta nas areias, essa modalidade de pesca é interessante para capturar os cardumes próximos à costa e é desta forma que os pescadores de Manguinhos pescam a “manjuba”, peixe de pequeno porte utilizado como isca para outras pescarias e também como alimento a ser vendido na vila e consumido pelas famílias locais.
Em virtude da manjuba chegar ás
águas do balneário entre novembro e março normalmente é nesse período onde
ocorrem as pescarias de arrasto, entretanto desde aquela época os pescadores já
percebiam a redução do pescado a cada ano.
O pescador
Normalmente indivíduos de baixa
escolaridade formal, aspecto rude, mas saudáveis, e dependentes da vida ao mar.
Embora existam algumas diferenças sócio-econômicas entre eles essas diferenças
são praticamente imperceptíveis, sendo possível apenas a percepção de pequenos
detalhes evidenciam essas diferenças.
Aprendem cedo a arte da pesca
artesanal e os segredos do mar e dela dependem parcialmente ou integralmente,
bem como suas famílias. Possuem especial habilidade para a identificação dos
cardumes “de olho” diferenciando-os quantos às suas espécies pela forma como se
movimentam no mar.
Já aquela época (1957) os
pescadores de manguinhos não podiam depender única e exclusivamente da pesca da
manjuba uma vez que ela só ocorre em um determinado período do ano. Desta forma
os pescadores precisam conseguir outras atividades para garantir sua
subsistência e de sua família, dedicavam-se então às pequenas lavouras e
naquela época já havia indícios de pescadores trabalhando também na construção
das casas de veranistas que ora se iniciavam.
Na realidade as atividades
complementares à pesca ocorrem de maneira constante durante o ano, não havendo
um período específico para sua realização mas quando chega a época a
preferência é sempre pela pesca. Os pescadores não pensavam duas vezes em
deixar seus afazeres para correrem ao arrastão, fato testemunhado desde 1957
até os dias de hoje.
A localização da manjuba
De acordo com o conhecimento dos pescadores de Manguinhos existem dois “tipos” de peixe chamados genericamente de manjuba a de “lombo azul” que, como o próprio nome já diz, caracteriza-se por ter um tom azulado e a “manjuba sardinha” que possuí uma coloração mais esverdeada e um formato um pouco mais comprido. A “manjuba sardinha” é considerada inferior à outra espécie, pois possuí menor durabilidade, por isso a pesca é mais alegre quando o cardume é de “lombo azul”.
A facilidade em encontrar os
cardumes já impressionava a todos desde os tempos da pesquisa, “peixe boieiro”
é como chamam os pescadores, em função da característica do cardume de nadar
sempre à flor d’água. A presença dos cardumes produz uma coloração um pouco
mais escura por onde passa assemelhando-se à sombra de uma nuvem além dessa
mancha escura os cardumes também agitam as águas por onde passam, fenômeno esse
conhecido pelos pescadores locais como “carujar”, característico dessas
espécies.
Quando o cardume é encontrado os pescadores gritam “peixe muito”, sinalizando aos colegas que partam com a canoa para realizar o lançamento das redes ao mar. As pescarias de arrastão só deixam de acontecer por conta do anoitecer ou pelo falecimento de algum morador da comunidade e, portanto a vila esteja de luto.
Fotos: Foto Luiz Guilherme Santos Neves. 1957 / Fonte: Estação Capixaba